Guerra, Política e Organização Naval

Amaral, Melchior Estácio do

Sabemos muito pouco acerca dos aspectos pessoais de Melchior Estácio do Amaral. Parece consensual ser natural de Évora mas mesmo o seu nome aparece por vezes com variantes, como Belchior. Diogo Barbosa Machado na Bibliotheca Lusitana diz que era muito experimentado ma ciência náutica pelas muitas viagens que fez mas pouco de concreto chegou até hoje que possa corroborar tal afirmação. A marca mais forte chama-se Tratado das batalhas, e sucessos do galeam Santiago com os Olandezes na Ilha de Santa Elena, E da nao Chagas com os Inglezes entre as Ilhas dos Açores: ambas Capitanias da carreyra da India, & da causa, & desastres, porque em vinte annos se perdêraõ trinta, & oyto naos della. Terá ainda sido o autor de um Calendario astronomico, historico, chronologico, e ecclesiastico... editado apenas no século XVIII.

Este relato tem também ele contornos pouco claros com a primeira edição a ser datada de 1604 e elaborada na oficina de António Álvares, em Lisboa, embora alguns autores referiram 1602 como data da primeira edição, o que parece difícil face às diversas referências no texto à primeira data, isto caso não tenha sido adulterado o que também não seria exemplo único.

O Tratado relata-nos, no seu essencial, o combate entre o galeão “S. Tiago” e três naus holandesas na ilha de S. Helena. Conta ainda com uma pequena descrição do naufrágio da nau “Chagas” nos Açores após combate com uma armada inglesa e um capítulo que tem o elucidativo título “Da causa e desastres por que se perderam muitas naus da Índia”. Este último capítulo, apesar de ocupar uma parte ínfima do relato, tornou-se na sua parte mais conhecida, muito por causa do diagnóstico feito às condições de navegação na Carreira da Índia e ao problema, sempre polémico, da causa dos naufrágios. Para melhor o compreender é preciso recuar até à dedicatória endereçada a D.Teodósio, Duque de Bragança, e elevado por muitos a representante da monarquia original portuguesa num tempo em que o governo filipino começa a mostrar sinais de desfalecimento. Esta suposta inclinação de Estácio do Amaral leva-nos até à análise das causas dos naufrágios que pouco diferem de outros autores.

O autor exclui da sua análise os naufrágios resultantes de acasos ou acidentes que como o próprio defende são incontornáveis e inevitáveis numa ligação tão extensa como era a Carreira da Índia. As principais causas apontadas são a cobiça de todos e a falta de ordem na carga dos navios, multiplicando os exemplos saídas de Goa com as naus metidas no fundo e com tamanha carga que  nem a manobra de velas ou artilharia é possível. Outra causa importante é a querena à italiana que permitia trabalhar na calafetagem sem pôr o navio a seco mas que apresentava diversas contrariedades visto não ser tão duradoura como a anteriormente praticada. A introdução de tal prática deve-se exclusivamente, segundo Estácio do Amaral, à vontade de poupar tempo e dinheiro e de se ter entregue tais trabalhos a contratadores que têm como preocupação a rentabilidade da operação e não a segurança.

É nesta condições que Estácio do Amaral conclui terem-se perdido 38 navios em 20 anos (1582-1602) muito por causa do abandono a que estaria votada a nossa marinha e à falta de cuidado dos portugueses em tratarem dos aspectos de segurança.

Rui Godinho


Bibliografia
ARANHA, Brito, Diccionário Bibliográphico Portuguez – Suplemento, T.XVII (10º do Suplemento), Lisboa, Imprensa Nacional, 1900.
BRITO, Bernardo Gomes de Brito, História Trágico Marítima, Vol.II, [s.l.], Publicações Europa-América, [s.d.].
MACHADO, Diogo Barbosa, Bibliotheca Lusitana, T.I, Coimbra, Atlântida Editora, 1965 (fac-simile da Ed. de 1741).
Perez, Rosa Maria Figueiredo, “Amaral, Melchior Estácio do”, in Dicionário de História dos Descobrimentos Portugueses, dir. Luís de Albuquerque, Vol. I, Lisboa, Caminho, imp. 1994, p.61.
SILVA, Inocêncio Francisco da, Diccionário Bibliográphico Portuguez, T.VI, Lisboa, Imprensa Nacional, 1862.
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