Espaços

Teatro Baquet

(Porto, Portugal: 1859 – 1888)

Inaugurado em 1859, deve o seu nome ao alfaiate portuense António Pereira, conhecido por Baquet, responsável pela iniciativa da sua construção.

  Teatro Baquet
  Teatro Baquet, fachada principal, gravura de Nogueira da Silva, 1863 [Archivo Pittoresco, v. VI, p. 257].

O espetáculo da estreia, O segredo de uma família, de José Carlos Santos, foi da responsabilidade da companhia do Teatro do Ginásio, de Lisboa, que assegurou as restantes apresentações durante o primeiro mês de vida deste espaço. Inicialmente arrendado por companhias ambulantes, o Teatro Baquet só conheceu alguma estabilidade a partir de 1870, com a empresa Moutinho e a empresa Perry, entre outras, mas infelizmente por relativo pouco tempo – na noite de 20 para 21 de março de 1888, durante o espetáculo de benefício do ator Firmino, um incêndio deflagrou no palco, resultando na trágica morte de muitas dezenas de pessoas.

O Teatro Baquet, erguido num terreno entre a Rua de Santo António (atual Rua 31 de Janeiro) e a Rua Sá da Bandeira, herdou o seu nome do alfaiate Baquet, de quem partiu a iniciativa da sua construção. Nascido no Porto como António Pereira, Baquet emigrou para Espanha durante a adolescência, onde aprendeu o seu métier, e viajou por outras cidades, como Paris, onde adotou o apelido que o acompanhou para a vida e lhe valeu a fama de “estrangeiro” – fama que não terá sido prejudicial ao atelier que veio a abrir na Rua de Santo António, nº 157. O terreno ao lado deste atelier também pertencia ao alfaiate e foi nele que este decidiu construir um teatro com o seu nome, que competiria com o vizinho Teatro do Príncipe Real. Com uma tipologia particular – estendia-se da Rua de Santo António à Rua Sá da Bandeira, com um considerável declive entre elas – o terreno obrigou a que fosse construído um armazém na base, possibilitando a localização da fachada principal na Rua de Santo António. A obra, que se adivinharia demorada devido a esta particularidade, surpreendeu pela sua brevidade: foi iniciada a 22 de fevereiro de 1858, estando o edifício pronto para a inauguração a 13 de fevereiro de 1859, Carnaval, com um baile de máscaras.

Segundo Sousa Bastos, a planta do edifício era da responsabilidade do próprio Baquet (inspirada na planta da Ópera Comique de Paris, de acordo com Júlio César Machado (FERREIRA 2011: 52)), tendo Guilherme Correia assinado o desenho da fachada “da melhor qualidade de granito em que abundam os arrabaldes do Porto” (SOUSA BASTOS 1908: 321), adornada com quatro estátuas de mármore figurando a Comédia, a Música, a Arte e a Pintura. A base do edifício consistia num armazém em arcos de pedra, aberto para a Viela da Neta (posteriormente Travessa da Rua Formosa e entretanto desaparecida), e sobre este assentava a sala de espetáculos. A plateia situava-se um andar abaixo da entrada principal, ficando esta nivelada com a primeira e segunda ordens de camarotes, e existia ainda um outro andar, ao nível da terceira ordem de camarotes, onde se encontrava o salão, com janelas e varandas para a Rua de Santo António. Inicialmente com 82 camarotes – ambição excessiva, que resultou em compartimentos demasiado estreitos – as ordens sofreram logo uma remodelação, que resultou no número mais sensato de 68 camarotes no total, complementados com duas frisas. O teatro incluía ainda uma sala destinada à pintura dos cenários (reputada como melhor que a do Teatro de São João), e um grande número de camarins situados por baixo do palco, com acesso através da Viela da Neta – acesso utilizado por todo o pessoal do teatro. Os pormenores decorativos do espaço só foram terminados após o Carnaval, tendo o trabalho de pintura sido assinado por Faria Teives e o de talha dourada da responsabilidade de Rossi, e também só nessa altura foram instaladas as cadeiras na plateia (cujo conforto ficava aquém das expectativas, alimentada pela riqueza da iluminação e das pinturas do proscénio e do pano de boca).

Era consensual a opinião de que o Teatro Baquet tinha resultado num espaço elegante e com bom gosto, apreciado na sua totalidade aquando da inauguração solene, a 16 de julho de 1859. Para o espetáculo inaugural Baquet contratou a companhia do Teatro do Ginásio, de Lisboa, que apresentou O segredo de uma família (comédia em 3 atos original do ator e diretor José Carlos Santos) e ainda a poesia Assim é que eu gosto d’ella – estreia recebida com agrado, onde tiveram particular sucesso José Carlos Santos, o ator Marcelino “que no papel de idiota andou perfeitamente” e ainda o pintor Rocha, aplaudido pelas suas pinturas “magníficas”, realizadas “com muito esmero” (Jornal do Porto, 18-07-1859, p. 3). A companhia assegurou as apresentações durante o primeiro mês de vida do espaço, com um elenco composto por, entre outros, os atores Taborda, Romão e Emília Letroublon.

Após a abertura, o teatro assistiu a um longo período de instabilidade durante o qual, sem companhia própria, se tornou espaço de acolhimento de companhias em itinerância ou ambulantes, resultando em apresentações esporádicas e sem um género específico associado. A situação mudou com a empresa Moutinho, que explorou o Baquet a partir de 1870, arrendando-o a D. Ignácia de la Bica, viúva do alfaiate Baquet e proprietária do teatro desde a morte deste, em 1869. Depois da morte de D. Ignácia, o teatro passou para o então seu marido António Teixeira d’Assis (por sinal, ex-sócio do alfaiate Baquet) e, com a morte deste, para a sua mãe, D. Anna Victória d’Ascenção. Tão intrincada como esta rede de propriedade foi a sucessão de empresas de exploração, na sua maioria constituídas por grupos cuja ligação era efémera e que se viam constantemente reformulados e reorganizados, com novos e antigos elementos – o que não impediu o Baquet de servir de palco aos melhores nomes da cena portuguesa de então, como Emília das Neves, Lucinda Simões, João Anastácio Rosa e ainda Augusto Rosa, que ali se estreou em 1872. À empresa Moutinho, ensaiada pelo ator Romão, seguiu-se uma sociedade de atores formada por Gama, Soller, Amaral e Domingos d’Almeida, que não conseguiu o sucesso financeiro esperado, sendo substituída pela empresa A. Portugal & Cia. (com o tenor Portugal). O insucesso desta deu lugar a uma nova sociedade de atores, apoiada pelo jornalista Borges d’Avelar, que não evitou a fuga dos melhores elementos para o Teatro do Príncipe Real (onde se formava uma nova companhia de opereta), seguindo-se, na exploração do teatro, a empresa da atriz Emília Adelaide, também esta destinada à falência. Uma outra sociedade de atores, ensaiada pelo ator Amaral, foi substituída pela empresa Perry que, terminada em 1887, deu lugar à empresa do maestro Cyriaco Cardoso – cujo percurso, com um início auspicioso de apresentações de êxito, foi tragicamente interrompido poucos meses depois.

Foi durante a festa de benefício do ator Firmino Rosa, na noite de 20 para 21 de março de 1888, que um incêndio consumiu em poucas horas todo o interior do Teatro Baquet. A programação – extensa – incluía a ópera cómica Dragões de Vilares e a zarzuela Grã via, ambas do agrado de um público entusiasmado que “pedia furiosamente bis” (SOUSA BASTOS 1908: 321). Foi a troca apressada de panos de fundo, para repetir a cena anterior – o quadro “Os três ratas”, desempenhado por Firmino, Sanches e Gomes – que fez com que, no contacto com uma gambiarra, um dos panos se incendiasse. O pano de boca foi baixado rapidamente, mas não impediu que o fogo fosse anunciado momentos depois pelos espectadores de um camarim com um postigo sobre o palco. O rápido alastrar do fogo, o fumo intenso, a falta de iluminação (tendo sido cortado o gás assim que o incêndio deflagrou) e o pânico geral resultaram no desfecho trágico da morte de cerca de 120 pessoas. Nos bastidores, quase todos se salvaram devido à saída para a Viela da Neta (entretanto desativada, aquando da abertura de uma saída para a Rua Sá da Bandeira após a morte do alfaiate Baquet), sorte não partilhada pelos espectadores que não conseguiram chegar às saídas no curto espaço de tempo em que a fuga seria possível – “em menos de duas horas, do belíssimo Teatro Baquet, restavam apenas as quatro escalavradas paredes exteriores” (FERREIRA 2012: 124).

A tragédia comoveu o país inteiro, incluindo a rainha D. Maria Pia, que foi ao Porto visitar os familiares das vítimas e assistir às várias cerimónias fúnebres e de angariação de fundos, de que se destaca o espetáculo de 25 de março de 1888, no Palácio de Cristal, com artistas de todo o país. O caso do Baquet incentivou os governantes à criação de novas e reforçadas medidas de segurança relativamente aos teatros e casas de espetáculo.
Atualmente (2013), o espaço do Baquet na Rua Sá da Bandeira é ocupado pelo Hotel Teatro que, após os Grandes Armazéns Hermínios (também ali construídos), recupera parcialmente a memória do teatro que – por razões também menos felizes – marcou a história do país.

 

Bibliografia

ANON. (1859). [sem título], Jornal do Porto, 16-07-1859, p. 2.

___ (1859b). “Companhia do Gymnazio”, Jornal do Porto, 18-07-1859, p. 3.

___ (1889a). “A grande catastrophe”, Jornal do Porto, 21-03-1889, p. 1.

___ (1889b). “A catastrophe do Baquet – Um anno depois”, Jornal do Porto, 21-03-1889, p. 1.

BRITO, Maria Fernanda de (1982). “O «Baquet» na mira de um fotógrafo amador” in Bibliotheca Portucalensis, nº2. Porto: BPMP/Imprensa Portuguesa, pp. 9-79.

FERREIRA, Laurinda (2012). “O Teatro do quintal do senhor Baquet” in Sinais de Cena, nº18. Lisboa: APCT/CET, pp. 119-128.

FERREIRA, Licínia Rodrigues (2011). Júlio César Machado cronista de Teatro: Os folhetins d’A Revolução de Setembro e do Diário de Notícias. Dissertação de Mestrado em Estudos de Teatro apresentada à Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa (texto policopiado).

FILINTO, Jayme (1888). A grande catastrophe do Theatro Baquet : narrativa fidedigna do terrivel incendio occorrido em a noite de 20 para 21 de Março de 1888, precedida da historia do theatro. Porto: Alcino Aranha.

SOUSA BASTOS, António (1908). Diccionário de Theatro Portuguez. Lisboa: Imp. Libanio da Silva (há uma edição fac-similada de 1994. Coimbra: Minerva).

 

Consultar a ficha de espaço na CETbase:

http://ww3.fl.ul.pt/CETbase/reports/client/Report.htm?ObjType=Espaco&ObjId=1347

Consultar imagens no OPSIS:

http://opsis.fl.ul.pt/

 

Joana d’Eça Leal/Centro de Estudos de Teatro